domingo, 26 de outubro de 2008

Histórias de uma vida


Em algum dado momento de nossas vidas somos convidados a regredir muitos anos atrás para poder compreender certos fatos ocultos e esquecidos no tempo.A história de nossos pais ...


Meu pai é japones legítimo,nascido na provincia de Fukui-ken.Ali, ele viveu a sua história familiar até os 20 anos de idade quando decidiu embarcar em uma longa viagem de navio rumo ao Brasil.

Nascido em uma familia tradicional japonesa e muito respeitada na região,mas que enfrentou todos os dissabores da segunda-guerra mundial.

Meu pai nos relatava alguns fatos que ocorreram na sua vida durante a segunda-guerra mundial,mas nós(eu e meus irmãos) eramos muito pequenos para compreender a grandiosidade e a importância que estas experiências tiveram na sua vida e na formação do seu próprio caráter pós guerra.

Ele tinha apenas 7 ou 8 anos quando a guerra estava terminando.Ele praticamente cresceu com a guerra.Passou fome, comeu grama com açucar, batata com açucar, açucar com açucar.

Açucar era a unica coisa que os aviões americanos jogavam para os civis japoneses, lá do alto.Talvez por isso,o povo japonês adoce tudo até hoje.

A infância que meu pai teve foi a fome e os sons assustadores das bombas caindo por todos os lados.

A adolescência pós guerra já parecia melhor, pelo menos se comia "comida" .Lembro de uma foto do meu pai com um típico uniforme de estudante ginasial abocanhando um sanduíche enorme.Menos mal, ele teve uma adolescência feliz.Ledo engano.

A minha avó havia dado a luz a uma menina e imediatamente adoeceu de tuberculose, deixando assim a menina recém nascida aos cuidados do meu pai ,porque seu irmão mais velho não queria ,meu avô trabalhava e sua irmã do meio era muito pequena.

Ele andava com o bebê recém nascido por onde ia , carregando-a nas costas.Foi obrigado a interromper os estudos porque foi proibido de entrar na sala de aula com o bebê nas costas.E assim seguiu a sua adolescência, até a sua irmãzinha morrer nos seus braços , de fome.Faltava leite no pós guerra e a minha avó não podia amamentá-la.

Aos 17 anos ganhou uma maquina fotográfica velha de alguém e começou a tirar fotos de tudo.Ganhou um concurso para fotógrafos profissionais e foi até notícia de jornal."Garoto de 17 anos ganha concurso de fotografia com maquina fotográfica do lixo" .

Começa assim a sua carreira de fotógrafo amador na sua cidade e era sempre solicitado pelas pessoas do povoado para fazer fotos de festas de casamento.Finalmente,um pouco de satisfação.Eh!Não foi bem assim...

A crise no pós guerra atingiu em cheio o negócio do meu avô,uma pequena fábrica que produzia embalagens ,e o meu pai foi obrigado a sustentar a família com os seus bicos de fotógrafo amador. Revoltado com a situação e de relações cortadas com o meu avô.Meu pai decide seguir rumo ao Brasil.Com uma única certeza na cabeça.Regressar rico ao Japão.

Não ficou rico.Acabou ficando mais tempo do que o previsto e ainda arrumaram um casamento pra ele.Casou-se teve 3 filhos e nunca mais regressou ao Japão. Apenas por um periodo.Nesse mesmo periodo ,confessou-me em um breve telefonema, de que ele estava decidido a viver e a morrer no Brasil.A pátria que ele escolheu para viver o resto de seus anos .

Não é dificil saber os por quês da sua decisão de não viver o resto de seus anos no seu próprio país de origem,o Japão.Com certeza,as lembranças que lhe vem de um passado distante ainda o ferem de alguma forma.
Me recordo que quando eu era ainda uma menina (faz muuuito tempo),meu pai tocava sempre uma gaita com canções melancólicas japonesas.Que lembranças será que ele provava naqueles momentos?

O Brasil foi para ele uma fuga, aonde acabou plantando raízes.

O mais estranho desta história toda é que eu estou aqui do outro lado do mundo,na terrinha do meu pai contando essa historia...e o meu pai lá, na terrinha do samba e do futebol.

Îronia do destino?Que é isso! Sacanagem mesmo!

E ainda por cima tenho que enfrentar a crise mundial??????
Apesar das sacanagens e armadilhas do destino.Estar na terra aonde nasceu o meu pai me fez muito mais consciente da minha própria história, das minhas origens, e a total compreensão de que somos aquilo o que vivemos.
A foto acima é de uma das cenas do filme de Issao Takata,"O túmulo dos pirilampos". Quem assistiu chorou e muito.
Retrata em detalhes a realidade crua e nua da vida de dois irmãos em meio a segunda guerra mundial.Morrer de fome era algo muito comum entre as crianças.

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