terça-feira, 15 de novembro de 2016

Voltando do além



Hoje decidi escrever sobre as dificuldades que todos nós passamos pelo simples fato de estarmos fisicamente distantes do nosso país. A primeira dificuldade é sem dúvida a saudade da família e dos amigos. 

Quando a empreitada em outro país tem tempo de validade, no caso um contrato de trabalho por tempo determinado, ou um intercâmbio, a saudade pesa mas nem tanto. Sabendo que existe uma data pre-determinada para o nosso retorno fica mais fácil sossegar o coração e manter os contatos familiares e profissionais. Porém, quando não existe um prazo, ou seja, a pessoa imigrou ( emigrou?)  para outro país definitivamente , e só volta de dois em dois anos de férias, aí a situação é bem diferente. 

Certa vez , assistindo a um video no youtube de um casal que imigrou para o Canadá hà mais ou menos 6 anos , compreendi que a minha situação com relação à familia e amigos que ficaram no Brasil não era tão diferente da deles. Hoje, após 6 anos de Canadá , eles já estão bem estabilizados e com um casal de filhinhos (canadenses) lindinhos. 

Em um dos videos , o marido que é o mais extrovertido e desbocado disse uma grande verdade sobre  as relações de ex-patriados que  vão se transformando com o tempo e a distância . 

- É como se nós tivéssemos morrido . Disse ele.

Este comentário (em video) teve a interrupção de sua esposa , que é o inverso dele, muito mais comedida. Mesmo assim, ele continuou reforçando a sua opinião, dizendo que na primeira viagem (de férias) ao Brasil com os filhos recém nascidos, tudo era novidade. Passados alguns anos , a novidade já havia passado e a recepção de amigos e familiares já não era mais tão calorosa. Nem tão pouco a saudade. Até mesmo para eles , ex-patriados, a saudade já não era tão dolorosa assim como da primeira vez que haviam retornado. 

Quando eu ouvi este comentário fiquei meio chocada. Como assim, como se tivessemos morrido?
Aos poucos compreendi que a nossa ausência física é como a morte . As pessoas ,com o tempo , se acostumam com a nossa ausência e guardam  para sí apenas lembranças. 

Não fazemos mais parte da rotina de nossos familiares, e nem eles das nossas , e a nossa participação em suas vidas se converte em apenas algumas datas especiais. Assim como os mortos, somos lembrados apenas no Natal e nos aniversários. Vale salientar que o mesmo ocorre com a gente , estando do outro lado do mundo. Por mais que usemos os meios de comunicação existentes para nos mantermos conectados , nós já não fazemos mais parte da rotina do dia-a-dia. Nenhum café da manhã com os pais, nenhuma saida ao shopping, nenhuma conversa mais intima e sem hora marcada. Nenhum cheiro. Triste admitir, mas já não fazemos mais parte da paisagem local. 

Todas as vezes que regressei ao Brasil senti muitas dificuldades em resgatar minhas relações familiares. Familia de japoneses , meio frios e distantes. Nem todos, mas a maioria. 

Em cada retorno eu voltava renovada, com um novo espirito e vivências para compartilhar com a minha familia e amigos que deixei do lado de lá, porém, a reação de todos me desanimava conforme os dias iam se  passando. Todos me tratavam como se eu ainda fosse a mesma pessoa, e muitos me cobravam atitudes passadas que já não cabiam mais em minha vida de ex-patriada. Era como se alguém tivesse apertado a tecla "pause" do lado de lá, e eu continuei no "start". 

Minha filha nunca me perguntou sobre as minhas vivências do lado de cá , e eu nunca mais a questionei sobre seus medos e experiências da vida adulta do lado de lá. Paramos no tempo . Ficaram as lembranças e as cobranças de um tempo que não volta mais. Um amigo de longa data que eu ainda mantinha contato por email, estranhou a minha nova visão sobre o mundo e a minha paixão por países e costumes europeus. Ele não compreendia o meu desapego em relação a minha familia e ao meu país. Ele também havia apertado a tecla "pause" e não cabia em seu entendimento que um ex-patriado necessita se desapegar para não sofrer , seguir em frente e viver novas experiências. 

Percebi então, que não fazia mais parte da vida de ninguém, e que aquilo que havia restado eram apenas as lembranças de tempos passados , assim como os mortos que regressam em espirito. Se é que isto é possivel?

Duro de aceitar? Em muitos casos a situação é bem esta, ex-patriados que regressam como mortos, ou divindades de um espaço e tempo diverso. Retomar os relacionamentos e fazer parte da paisagem local leva tempo . Mesmo que regressemos em definitivo ao nosso país após vários anos , o resgate deste tempo perdido no tempo terá um outro formato. Nunca mais seremos os mesmos. 



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