segunda-feira, 14 de julho de 2014

O primeiro protesto a gente nunca esquece


  Protesto estudantil dos anos 70. To ficando velha mesmo, todas as fotos da época estão em preto e branco.


Eu deveria ter mais ou menos 11 anos quando aprendi sobre " protestos" . Não foi em sala de aula, foi na prática mesmo. 

Fui à aula normalmente e quando chego na portaria da escola algumas peruas kombis estacionadas e a minha professora de Educação Artística estava fazendo a chamada .

Do lado de fora da Escola?

Perguntei a minha professora se era greve outra vez ( outra palavra  que aprendi na prática), e ela me respondeu :

  - Não, hoje é dia de protesto dos professores . Entra na kombi. 

Quê?????

Como eu já estava acostumada com as greves frequentes dos professores sempre ia à escola rezando pra não ter aula e eu poder voltar pra casa e assistir a Sessão da Tarde.

Dei meia volta e estava indo embora quando a minha professora , Dona Léa, este era o nome dela, me gritou: 

- Onde você vai menina? Entra na kombi que vai valer presença.

Entrei né. Meio atordoada com tudo e sem entender direito pra  onde eu estava sendo levada e pra  fazer o quê?

Dentro da kombi estavam mais alguns colegas de classe e outros que eu nunca tinha visto. Alguns animados e eufóricos, outros com cara de interrogação. 

Chegando no local do tal protesto, no centro da cidade de São Paulo ( nunca havia estado no centro sozinha), Dona Léa outra vez: 

- Desce todo mundo , peguem as bandeiras e fiquem todos juntos.

Mamaē do céu! O que são aqueles homens de fardas montados em cavalos e com cacetetes  em punho?

Medo. Não tinha outra palavra para descrever aquilo que eu estava provando no meu primeiro protesto " induzido". 

De repente , algumas pessoas  começaram a gritar frases estranhas: 

- Um, dois, três, Maluf no xadrez!

Meu Deus! E pode falar isso do Maluf? Não vamos ser presos ? Eu vou pra FEBEM?

Não sei precisar quanto tempo durou o tal protesto e nem quantas pessoas participaram, o medo me cegava, só conseguia ver os tais homens fardados à cavalo e suas caras de pessoas  do mal. 

Esta experiência na minha tenra adolescência me marcou de certa forma. Morro de medo de protestos e  aglomerações . 

A minha ex-professora, Dona Léa , não poderia ser incriminada como sequestradora de menores?

Graças a Deus, naquele tempo os protestos eram pacíficos e nada de ruim aconteceu. Terminamos o tal protesto , entramos na kombi e voltamos para a escola. UF!

A diferença dos protestos de hoje e dos de ontem, talvez tenham a ver com a política governamental da época. Que eu me lembre era o final da ditadura e o nosso Presidente era Ernesto Geisel, um militar de ascendência alemã . A democracia estava ainda dando passos tímidos. 

ARENA e MDB , estes eram os partidos que dominavam a política brasileira da época. Eu me lembro que simpatizava com o MDB por ser um partido de esquerda, só por isso. Nunca me interessei por política e até hoje não me interesso. Deve ser trauma do meu primeiro protesto.

Alguns anos se passaram , e alguns jovens cabeludos alugaram a casa que ficava bem em cima da minha. Eu gostava de um cabeludinho muito simpático que sempre brincava comigo. Eram os estudantes da USP / UNE que se reuniam lá, bem em cima da minha casa. Vai saber se o tal cabeludinho  não era o José Dirceu em fuga depois da plástica?

Aquele povo era estranho, às vezes só um casal aparecia por lá, as vezes um grupo inteiro. O dia mais estranho foi quando aqueles mesmos homens fardados que eu havia visto no protesto que participei involuntariamente, apareceram armados , com suas caras de mal ( sem os cavalos) e invadiram a casa, que por sorte estava vazia . 

Sim, eu temi pelo cabeludinho simpático que sempre brincava comigo e respirei aliviada quando os homens fardados com suas caras de mal não encontraram ninguém dentro da casa.

Nunca mais ví o cabeludinho simpático e a casa foi novamente alugada por uma familia. 

Nos meses seguintes a este ocorrido aqueles mesmos homens fardados e com cara de mal começaram a vir todos os dias no meu bairro . Eu na minha santa ingenuidade pensava que era alguém do comércio que os haviam contratado. 

Hoje compreendo que eles estavam por lá pra  surpreender os jovens cabeludinhos estudantes da USP . Ouvi rumores de que eles , os homens fardados sequestravam os estudantes da USP em plena sala de aula e simplesmente sumiam com eles.

Assim como a minha professora , Dona Léa fez comigo?

Tá! menos, menos. Ela me devolveu. 

Talvez por ter vivido esta inocênte experiência e ter presenciado alguns fatos do passado eu não consiga odiar algumas figuras da política atual. Tem gente que lutou a vida inteira pela democracia no país e hoje são apenas bandidos e corruptos. Quanto mal a política brasileira não fez aos cabeludinhos idealistas da USP de ontem?  Triste realidade atual.

Recordações da minha tenra adolescência. Imagina lembrar de Ernesto Geisel  na presidência do país e de José Dirceu na UNE?

Tô ficando velha....







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