"Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do meu desenho número 1, que sempre conservei comigo. Eu queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre: "É um chapéu". Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me ao seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável. "
Este é um trecho do Livro de Antoine de Saint-Exupéry , o Pequeno Príncipe, um clássico da literatura infantil que divide opiniões quanto à sua classificação literária, pelo riquíssimo conteúdo filosófico contido na obra.
Neste trecho ele menciona a sua dificuldade em se fazer compreender pelas " pessoas grandes" . Fica bem clara a sua frustração ao constatar que as " pessoas grandes" eram incapazes de enxergar um mundo que não fosse aquele mundano e material. E para poder interagir com "pessoas grandes" ele calava a sua alma. " Punha- me ao seu alcance".
Com certeza todo mundo já passou por tal experiência na vida. Conhecer alguém interessante e depois constatar que ela não passava de mais uma " pessoa grande" , tão ocupada com seus interesses mundanos que nem se preocupava em olhar nos seus olhos quando falava. Ou , ter um verdadeiro carinho por um amigo (a) , tantos interesses em comum ( aqueles de gente grande) e em um dado momento , se dar conta de que ele (a) não è capaz de compreender e de estar ao seu lado naqueles momentos de mau humor ou de tristeza.
A obra de Saint- Exupéry descreve perfeitamente a solidão que vai tomando aos poucos o nosso ser, quando nos damos conta de que vivemos em um mundo onde um não enxerga as necessidades essenciais do outro.
" Desenhei então o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações."
Este é um outro trecho do livro onde ele relata com sutileza a dificuldade que as "pessoas grandes" tem em observar e compreender aquilo que não está ao alcance dos olhos .
É como estar chorando baixinho debaixo do cobertor e a sua maē lhe gritar: - Ainda não acordou , menino preguiçoso?
Quem já não viveu uma situação assim na adolescência? E ainda teve que enxugar as lágrimas debaixo do cobertor para não ser flagrado em prantos e fingir cara de sono. A sua maē além de não perceber, não entenderia mesmo .
Ou, em um momento mais romântico ( ou nem tanto) da sua vida, se fez de difícil e deixou partir para sempre aquela pessoa que poderia ser o grande amor de sua vida, porque ele (a) sendo " gente grande" não poderia jamais imaginar que você estivesse apenas fazendo um jogo "infantil" de se fechar em copas momentaneamente.
Dizem que Antoine de Saint- Exupéry. não teria se acidentado em vôo , e que o seu último vôo foi um suicídio. Sendo Saint- Exupery um escritor que transformava as suas proprias experiências e percepções em contos, esta possibilidade não me parece tão impossível. O personagem principal de sua estória, o pequeno príncipe, tinha traços de profunda melancolia.
Quando adolescente já havia lido esta obra, a reli novamente para saber se eu havia perdido esta magia infantil , esta inocência de ver em primeiro plano a essência das pessoas. Não, eu não a perdi.
Por vezes, gostaria de não ter este poder que Saint- Exupéry tanto exalta em sua obra, a capacidade de enxergar o invisível...
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