Quem decide ir viver em outro país deve estar sempre preparado para o tal do choque cultural. Ele não surge logo nos primeiros meses , afinal, nos primeiros meses ainda estamos na fase da descoberta, da fascinação e do tudo novo.
Normalmente as pessoas e até nós mesmos somos muito tolerantes com as diferenças culturais nos primeiros meses , até mesmo porque é bem divertido para ambas as partes. Aos poucos quando você vai começando a viver uma vida normal e a interagir com as pessoas no trabalho, na rua, na escola, e em outras situações é que você começará a sentir o que é esse tal de choque cultural.
Após a fase do deslumbre e da novidade, é preciso deixar de ser quem somos para viver de forma mais amena os choques culturais que virão pela frente. E são muitos.
Aqui no Japão o meu maior problema foi aprender como funcionava a hierarquia em terras nipônicas. Logo no meu primeiro trabalho free tive que enfrentar algumas situações assustadoras. Ninguém nunca me avisou que eu impreterívelmente teria que dizer uma palavra mágica logo ao adentrar em um novo trabalho. O tal do yoroshiku Onegai Shimasu, que é uma saudação que se faz demonstrando respeito e consideração pela pessoa. Sempre que formos pedir algum favor devemos dizer esta frase.
Como eu nem imaginava que no Japao existiam estas convenções a este ponto, eu só cumprimentava e ficava calada. Aiaiaia, sofri bulling várias vezes por ser mal educada , no conceito deles.
O meu segundo choque cultural foi no Hospital. Eu fui fazer um exame de sangue só para confirmar o resultado de um exame que fiz no trabalho e para saber a opiniao de um médico. O médico de plantao me disse que o exame estava correto e que não havia necessidade de fazer outro. Quando eu insisti que queria fazer outro exame mesmo assim , o médico faltou gritar comigo e me mandar sair da sala.
Só depois uma amiga minha veio me dizer que eu não deveria ter mostrado o papel do exame de sangue que fiz no trabalho e fingir que era a primeira vez. Ela fez o exame e eu não.
Um outro choque foi no dentista. Aqui os dentistas japoneses atendem 4 cadeiras ao mesmo tempo, como se fosse uma linha de montagem e quase não conversam com o paciente. Preenche-se uma ficha de anaminese e quem te faz as perguntas é a assistente dele.
Quase todos os consultorios médicos também são assim. Rarissimas vezes eu pude explicar diretamente ao médico o que eu estava sentindo. Totalmente impessoal.
São situações corriqueiras que acabam até nos chateando , mas se no país onde você se encontra as coisas funcionam assim, não é você ( estrangeiro) que vai ditar as regras. Você aceita e pronto!
Outra situação que me deixou super hiper chateada foi quando eu fui ao Supermercado na Suiça, acompanhada de um suiço e um alemão. Na seção de legumes e verduras eu toquei ( não apertei) um champignon fresco sem ter o cuidado de por um saco plastico ou uma luva. Nossa! quase fui crucificada em pleno Supermercado, como se fosse a coisa mais nojenta que um ser humano poderia fazer em vida.
E ainda me disseram: Você costuma fazer isso no Japão? Tocar as frutas e os legumes frescos com as mãos sujas?
No Brasil eu não só tocava como apertava. No Japão eu procuro não tocar tanto em absolutamente nada que não esteja embalado ( quase tudo está), mas se eu decidir tocar em uma maça e não levar ninguém vai me crucificar.
Outra coisa que eu odiava logo que cheguei aqui no Japão era a forma como os japoneses comiam Lámen ( o famoso miojo) , chupando o macarrão vigorosamente com 4 chupadas por vez. Eu tinha verdadeiro nojo disso. Aos poucos fui percebendo que todo mundo chupava o Lámen e que esta forma de comer é para melhor saborear o caldo do Lámen.
Eu até hoje evito chupar o Lámen para não me habituar a chupar tudo como o fazem os japoneses, mas eu penso que já peguei o jeitinho na convivência. Falar de boca cheia também é considerado normal aqui.
Com tanto choque cultural e novos hábitos culturais, com certeza quando eu voltar ao Brasil vou estar usando luvas ao ir ao Supermercado , comendo espaguete com dois pauzinhos e falando de boca cheia.
Seria o choque cultural ao inverso. Que aliás, já aconteceu comigo em um restaurante japones no Brasil. Eu fui levantar a tigela para comer o arroz com pauzinhos ( ohashi) assim como o fazem os japoneses , mas quem estava a minha volta achou aquela atitude grosseira.
Enfim, o que é certo ou normal em uma cultura pode ser inadmissível em outra. E o seu cérebro fica como?
Enquanto não nos decidirmos em qual cultura nos fixar, com certeza chegará um momento em que o nosso cérebro dará um " tilt" e não lembraremos mais de quem éramos antes de tanto choque cultural.
Da condição de estrangeiro passaremos a condição de " nômades".
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